Oito dos dez mandamentos do Decálogo são proibições cuja formulação é negativa, e dois são positivos: o quarto e o quinto mandamentos.
O quinto mandamento fala sobre o princípio da autoridade, a estrutura familiar e a necessidade da organização social. Os pais são os representantes de Deus na família. Eles geram os filhos e são responsáveis por seu bem-estar, sustento, alimentação, vestimentas, saúde, educação e segurança. Essa manifestação de afeto e carinho acontece de maneira natural e ao mesmo tempo misteriosa. É a melhor e a mais perfeita maneira de ilustrar e explicar o grande amor de Deus pelo ser humano. Os filhos lhes devem respeito, honra, obediência e amor.
Todos os seres humanos prestam conta de seus atos a alguém, todos estão sobre e sob autoridade. O próprio Senhor Jesus Cristo, a maior autoridade no céu e na terra, disse: "Porque não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai, que me enviou" (Jo 5.30); "Porque eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" (Jo 6.38). Quem não quer se submeter às autoridades está alinhado com o diabo. O anticristo pretende fazer a sua própria vontade sem se submeter a ninguém (Dn 8.24; 11.3, 17, 28).
HONRA A TEU PAI EA TUA MÃE
O quinto mandamento é construído de forma positiva: "Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR, teu Deus, te dá" (Êx 20.12). O preceito começa com o verbo no imperativo intensivo kabbêd,80 "honra", do verbo kãbêd,81 "ser pesado, rico, honrado, glorioso". A construção intensiva hebraica traz a nuança de curvar-se em honra ou respeito. A segunda parte esclarece e especifica o significado do mandamento, que aparece de forma expandida em Deutero- nômio: "Honra a teu pai e a tua mãe, como o SENHOR, teu Deus, te ordenou, para que se prolonguem os teus dias e para que te vá bem na terra que te dá o SENHOR, teu Deus" (Dt 5.16). Esta forma diferenciada será analisada mais adiante.
A raiz do verbo kãbêd aparece em todas as línguas semíticas, com exceção do aramaico. O significado é de "ser pesado", com o sentido figurado de ser importante. O adjetivo derivado desse termo aparece duas vezes no Antigo Testamento com sentido literal para designar o peso do sacerdote Eli e o peso do cabelo de Absalão, filho de Davi (1 Sm 4.18; 2 Sm 14.26). A Septuaginta traduz esse verbo por diversos termos gregos que não é possível enumerar aqui, mas entre eles podem ser destacados doxazõ,82 "ser de opinião, pensar, honrar, glorificar", e seus derivados; e timaõ,83 "dar valor a, considerar digno, estimar, honrar, reverenciar", e seus derivados. Em ambos os verbos e seus respectivos derivados, como doxa e timê,m "glória" e "honra", o peso é figurado. Uma pessoa de peso significava alguém honrado, digno, importante, respeitado (Nm 22.15). Esses termos hebraico e grego lançam luz sobre a abrangência do quinto mandamento. A Bíblia aplica-os a Deus (Sl 79.9; Is 40.5), que é "o rei da glória" (Sl 24.7-10), mesmo título dado ao Senhor Jesus Cristo no Novo Testamento (1 Co 2.8).
Não existe na vida alguém mais importante para o filho do que o pai e a mãe; eles são seus heróis. Esse relacionamento é análogo ao de Javé com o seu povo Israel (Dt 1.31). O profeta Malaquias apresenta uma analogia ainda mais profunda comparando o dever do homem honrar a Deus com o do filho de honrar o pai (Ml 1.6).
Há certo vínculo entre o quinto mandamento e os três primeiros pela natureza desse relacionamento. O termo "a teu pai e a tua mãe" é amplo: certamente diz respeito aos nossos genitores, àqueles que nos geraram, mas não fica apenas nisso. O mandamento se refere também aos pais espirituais. É como Eliseu se dirigia ao profeta Elias: "Meu pai, meu pai, carros de Israel e seus cavaleiros!" (2 Rs 2.12). Isso aponta para um relacionamento íntimo entre o profeta e o discípulo que justifica uma linguagem familiar. Era uma maneira honrosa de tratar o mestre. O rei de Israel também se dirigiu ao profeta Eliseu com as mesmas palavras (2 Rs 13.14). Era algo atípico para um rei; no entanto, revela o reconhecimento por parte do rei Jeoás quanto à autoridade profética de Eliseu, que se encontrava moribundo. O profeta representava uma segurança para a nação. O relacionamento entre o rei e o profeta era de intimidade. Esse tipo de relacionamento entre Elias e Eliseu é visto também no Novo Testamento, pois Timóteo e Tito são reconhecidos também como filhos na fé do apóstolo Paulo (1 Tm 1.2; 2.1; Tt 1.4). Esses exemplos nos ensinam a amar, respeitar e honrar aqueles a quem Deus constituiu autoridade espiritual sobre nossa vida.
O quinto mandamento se aplica também ao relacionamento secular, pois a figura do governante se assemelha à de um pai. Débora se considera mãe de Israel (Jz 5.7). O respeito e a honra se devem também a quem se destaca pelo conhecimento em qualquer área. Embora Faraó fosse a maior autoridade no Egito, ele honrou e respeitou um escravo hebreu simplesmente porque este tinha o conhecimento da vontade de Deus: "senão Deus, que me tem posto por pai de Faraó, e por senhor de toda a sua casa" (Gn 45.8). O rei do Egito nos dá o exemplo mesmo séculos antes da promulgação da lei. Isso deve servir como exemplo hoje nas igrejas. Esse respeito e essa consideração não se restringem apenas aos membros da Igreja e a seu pastor, mas vale também entre os próprios pares e companheiros de ministério. A hierarquia, portanto, é esta: Deus, os pais e as autoridades eclesiásticas e civis.
O apóstolo Paulo ensina obedecer aos pais e explica, "porque isto é justo" (Ef 6.1). Ele está falando a respeito de uma lei natural que existe desde o princípio do mundo. Deus já havia colocado a sua lei no coração de todos os homens, mesmo antes de se revelar a Moisés no Sinai (Rm 1.19; 2.14, 15). Essa prática existe em todas as civilizações antes e depois de Moisés. Todos esses povos já reconheciam a importância de obedecer e respeitar aos pais como fundamento para uma sociedade estável. Sua inobservância sinaliza a decadência da estrutura social. Infelizmente, o que se vê na atualidade é inversão desses valores; os pais estão perdendo o direito de opinar e decidir sobre a vida dos filhos adolescentes por imposição até do Estado.
O mandamento de honrar pai e mãe não se restringe à infância e adolescência. Em nenhum lugar, a Bíblia ensina ser essa ordem somente para esta fase da vida. Quando o moço e a moça chegam à maioridade ou mesmo se casam, seus pais continuam sendo seus pais, e os filhos devem honrá-los e respeitá-los enquanto eles viverem. O apóstolo Paulo fala sobre a família e sobre a submissão da mulher ao marido (Ef 5.22ss). Isso faz alguns pensarem que a obediência dos filhos aos pais é um discurso dirigido apenas aos filhos menores. Mas tal linha de pensamento não se sustenta nem no Antigo Testamento nem no pensamento paulino aqui analisado. O texto traz o termo grego tekna,ss "filhos", plural de teknon86. A ideia é de "descendente imediato ou direto de alguém, sem referência específica a sexo ou idade" (LOUW & NIDA, 2013, p. 106). Das cinco ocorrências do termo em Efésios, o contexto mostra que pelo menos três delas dizem respeito de forma inconfundível a adultos: "filhos da ira" (2.3); "filhos amados" (5.1); "filhos da luz" (5.8). Apenas uma delas sugere criança ou adolescente (6.4). Em 6.1, o termo parece ambíguo, mas seria precipitação aplicar esse ensino apenas a crianças e adolescentes. O verbo "obedecer" está na voz ativa, mostrando que se trata de pessoas moralmente livres para assumirem uma responsabilidade diante de Deus. Todas as pessoas vivem sob e sobre autoridade; ninguém escapa dessa responsabilidade. Jesus disse: "Porque eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" (Jo 6.38). Se aquele que é a maior autoridade no céu e na terra faz uma declaração como essa, o que não diremos nós?
Honrar pai e mãe é muito abrangente e envolve cuidar dos pais, principalmente na velhice: "Ouve a teu pai, que te gerou, e não desprezes a tua mãe, quando vier a envelhecer” (Pv 23.22). O termo "filho meu", frequentemente empregado em Provérbios, em geral se aponta para o aconselhamento de um mestre a seus discípulos, mas aqui ambos são mencionados, pai e mãe, referindo- -se, portanto, aos pais naturais. O quinto mandamento vai além do sustento dos pais na velhice. É dever dos filhos proteger os pais, a sanção da lei é dura contra os que descumprem o quinto mandamento: "O que ferir a seu pai ou a sua mãe certamente morrerá... E quem amaldiçoar a seu pai ou a sua mãe certamente morrerá" (Êx 21.15, 17). O v. 15 fala sobre violência fisica, e o v. 17, que é reiterado mais adiante de forma expandida (Lv 20.9), vai além do desprezo e do abandono. Amaldiçoar aqui significa depreciar e repudiar a autoridade dos pais. Além da agressão e do menosprezo em relação aos progenitores, a lei estabelecia a pena capital para o filho desobediente, o rebelde contumaz (Dt 21.18-21). Qualquer atitude de desonra era um grave insulto, e a punição da lei era a mesma para ambos os casos: agressão física e moral, violência e desrespeito. Por isso, a lei impõe respeito e honra aos pais (Êx 20.12; Dt 5.16). Desonrar a pai e mãe é desonrar a Deus.
A PROMESSA DIVINA
Originalmente, este mandamento era exclusividade de Israel, pois menciona a herança da terra de Canaã. A segunda parte do quinto mandamento traz a promessa divina de vida longa aos que honrarem aos pais: "para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR, teu Deus, te dá" (Êx 20.12). Deuteronômio diz a mesma coisa, mas de forma ampliada: "como o SENHOR, teu Deus, te ordenou, para que se prolonguem os teus dias e para que te vá bem na terra que te dá o SENHOR, teu Deus" (Dt 5.16).
A frase "como o SENHOR, teu Deus, te ordenou" mostra que Moisés está se referindo à revelação no Sinai que ocorreu cerca de 40 anos antes. Em seguida, vem a dupla promessa de vida longa e sucesso na terra prometida. Essa promessa é específica e indica que o quinto mandamento originalmente se restringia aos israelitas durante o tempo da teocracia. Isso está claro e explícito no texto, que afirma que tais bênçãos hão de vir "na terra que te dá o SENHOR, teu Deus", uma referência inequívoca à terra dos cananeus, a Terra Prometida. Fazia parte do concerto a segurança e o bem-estar da nação, a longevidade e o sucesso (Dt 5.33; 6.2, 3; 22.7). Essas bênçãos são as mesmas que se tornaram promessa padrão para quem amar a Javé e permanecer no concerto do Sinai (Lv 26.3-13; Dt 7.12-16; 28.1-14). E a promessa reaparece no período do reinado de Salomão (1 Rs 3.14).
Como Israel violou o concerto do Sinai, o profeta Jeremias anunciou a vinda de um novo concerto (Jr 31.31-34). Deus cumpriu a promessa (Hb 8.8-12). Isso muda muita coisa. O apóstolo Paulo deliberadamente combina as palavras do quinto mandamento nos textos do Decálogo, Êxodo e Deuteronômio: "Honra a teu pai e a tua mãe, que é o primeiro mandamento com promessa, para que te vá bem, e vivas muito tempo sobre a terra" (Ef 6.2, 3). Aqui, a terra prometida desaparece; trata-se da terra não especificada no Decálogo, "que te dá o SENHOR, teu Deus". A Igreja, o povo de Deus do novo concerto, é uma comunidade internacional, uma congregação supranacional de estrangeiros e peregrinos (1 Pe 2.11). O nosso lar não é aqui (Fp. 3.20). Hoje essa promessa é abrangente.
A discussão do ensino apostólico é sobre o significado de "primeiro mandamento com promessa". A dificuldade reside no fato de a promessa de Deus conceder misericórdia a milhares de gerações dos que o amam constar do segundo mandamento (Êx. 20.6; Dt 5.10). Há quem afirme que a frase "primeiro mandamento com promessa" tem o sentido de importância, assim como Jesus chamou "primeiro mandamento" amar a Deus acima de todas as coisas. Isso nos parece pouco provável, pois o Senhor Jesus disse: "Este é o primeiro e grande mandamento" (Mt 22.38). Uma explicação mais ou menos aceitável é que o apóstolo Paulo se referia ao primeiro mandamento de todo sistema mosaico encabeçado pelo Decálogo. Mas a melhor interpretação é de que se trata do primeiro mandamento da segunda tábua (conforme a divisão dos Dez Mandamentos explorada no Capítulo 1). O Senhor Jesus citou este mandamento para o jovem rico (Mt 19.19).
Nós vivemos essas coisas como resultado da nossa nova vida em Cristo e não por coerção da lei, que condena à morte os filhos rebeldes (Êx 21.15,17; Lv20.9; Dt 21.18-21). O cristão está debaixo da graça e é guiado pelo Espírito Santo para as boas obras que "Deus preparou para que andássemos nelas" (Ef 2.10). Cabe a cada um de nós não desperdiçarmos o privilégio e a oportunidade de honrar pai e mãe para não perdermos as bênçãos de Deus.
Pr. Esequias Soares
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