» » » » » » Comentário Esperança - Filipenses

Não temos uma informação segura se Paulo manteve correspondência constante com todas as igrejas, de modo que apenas uma pequena seleção das cartas que ele realmente escreveu tenha sido preservada, ou se uma missiva era enviada somente em vista de um motivo especial, assim como Rm, 1Co, 2Co, Gl, Cl, 1Ts e 2Ts permitem reconhecer uma motivação especial do autor, em geral uma preocupação específica. Nesse caso também esta carta aos Filipenses não teria surgido sem uma relação com dificuldades na igreja, das quais Paulo teve notícia. Na verdade não há nenhuma ameaça especial por meio de heresias ou algo semelhante à vista.

Por toda a carta ecoa um tom cordial e confiante. No entanto, as exortações que já lemos e ainda leremos no capítulo 3 podem, sim, ter um fundo bem específico. Nesse caso também seria particularmente compreensível que Paulo pretende enviar a Filipos o melhor colaborador de que dispõe. E a justificativa disso, “para que também eu me alegre, tendo conhecimento da vossa situação”, não seria apenas a linguagem do amor, que apresenta como desejo pessoal o que antes de tudo é uma dádiva para o outro, mas Paulo teria diversas preocupações também em relação a Filipos.

De qualquer maneira Paulo sempre viu todas as igrejas, mesmo a melhor, ameaçadas pelo pendor pecaminoso para a desunião, o egoísmo e a lerdeza que dormita em nosso coração.

Com certeza também não considerou insignificantes as tribulações a que os filipenses eram expostos por parte dos “adversários”. Por isso ficará feliz ao ser informado justamente por uma pessoa totalmente confiável a respeito da situação da igreja em Filipos em todos os sentidos. Vimos no começo da carta que não devemos imaginar que Paulo esteja sozinho. Encontrava-se rodeado de numerosos colaboradores e soube falar deles de maneira calorosa e reconhecedora, p. ex., em Cl 4.10-14. Aqui, porém, ouve-se um juízo assustador sobre esses homens: “Pois todos eles buscam o que é seu próprio, não o que é do Cristo Jesus.” Será que justamente agora, quando tudo se tornou mais perigoso, Paulo experimentou várias decepções com outras pessoas, não encontrando a disposição de engajamento incondicional pela causa de Jesus que ele considerava óbvia, motivo pelo qual também espera que seus colaboradores sejam capazes dela?

Recordamos, p. ex., a informação sobre Demas em 2Tm 4.10, que na verdade não diz que Demas “apostatou”, mas que ele se retirou de Roma e da perigosa proximidade com Paulo para Tessalônica, um lugar mais seguro. Alguns anos antes Paulo havia descrito aos romanos a nítida característica de todo cristão: “Nenhum de nós vive para si… se vivemos, é para o Senhor que vivemos” (Rm 14.7s).

Agora ele mesmo precisa constatar penosamente, em vista de seus colaboradores mais íntimos: “Todos eles buscam o que é seu próprio, não o que é do Cristo Jesus”. Como ele nos julgaria, se visse a nós e nosso trabalho? Timóteo, porém, é diferente. Ele foi aprovado, e os filipenses estão cientes disso. Vemos, pois, de novo o que é escrever vivamente no Espírito Santo. Quando Paulo pronuncia o nome de seu discípulo, o colaborador que ele mesmo convocou para o serviço (At 16.1-3), tem vivamente diante de si a forma com que Timóteo o serviu afetuosamente, “como filho ao pai”. Imediatamente, porém, ele muda o rumo do pensamento. O decisivo não é o serviço que Paulo recebeu desse homem, mas que “junto com ele serviu ao evangelho”.

Foi por isso que já no começo da carta Paulo uniu Timóteo e a si próprio como “escravos do Cristo Jesus”. De forma maravilhosamente bela, porém, a primeira frase entrelaça a afetuosa posição filial do mais jovem diante do mais velho e mais importante, Paulo, e apesar disso toda a supremacia do evangelho, que torna secundária qualquer ajuda pessoal, unindo ambos os homens no serviço à grande incumbência comum. Paulo não tem “ninguém de igual mentalidade”. Os filipenses precisam (de forma geral ou mesmo por causa de dificuldades específicas) de uma pessoa que, com total desinteresse e “genuinamente, esteja preocupado com as questões deles”. Quem busca o que é seu, sua própria fama, seu próprio conforto, esquiva-se do esforço e da dor de ir a fundo nas questões em uma igreja e solucionar as mazelas com mão paciente, afetuosa e por isso também firme. É por isso que Paulo enviará aos filipenses justamente o aprovado Timóteo.

Espera que possa fazê-lo “em breve”. Entretanto, primeiro precisa “ter uma visão geral de sua situação”. Enquanto o processo ainda estiver indefinido, não poderá abrir mão de Timóteo. Paulo igualmente pode lhe dar as necessárias incumbências específicas quando souber se ele mesmo retornará ao trabalho ou se precisará organizar seu campo de trabalho para sua saída definitiva. Mas tão logo isso estiver esclarecido com o fim do processo, seja ele qual for, então Timóteo irá “imediatamente”. Mais uma vez Paulo dá vazão à sua “persuasão” de que também “ele mesmo, brevemente, irá”. Para o “ser cristão” da forma como Paulo entendia, o “estar em Cristo”, é característico o sentido concreto que ele tem e como foi vivenciado pelo próprio Paulo. Como pensamos arbitrariamente quando fazemos todos os planos e tomamos nossas deliberações! No máximo permitimos que Deus conceda posteriormente sua bênção a tudo.

Para Paulo, viver constantemente em Cristo é tão natural que a própria idéia de enviar Timóteo a Filipos e a esperança de poder fazer isto em breve só é concebida “no Senhor Jesus”. Da mesma maneira sua confiança não é questão de ânimo pessoal, mas uma “persuasão no Senhor”. De quantas coisas privamos a nós mesmos porque não tiramos proveito do fato de que realmente podemos fazer tudo no Senhor Jesus! b) Fp 2.25-30: Enviando Epafrodito imediatamente para casa. 25 – Julguei, todavia, necessário mandar até vós Epafrodito, por um lado, meu irmão, cooperador e companheiro de lutas; e, por outro, vosso mensageiro e vosso auxiliar nas minhas necessidades, 26 – visto que ele tinha saudade de todos vós e estava angustiado porque ouvistes que adoeceu. 27 – Com efeito, adoeceu mortalmente; Deus, porém, se compadeceu dele e não somente dele, mas também de mim, para que eu não tivesse tristeza sobre tristeza. 28 – Por isso, tanto mais me apresso em mandá-lo, para que, vendo-o novamente, vos alegreis, e eu tenha menos tristeza. 29 – Recebei-o, pois, no Senhor, com toda a alegria, e honrai sempre a homens como esse; 30 – visto que, por causa da obra de Cristo, chegou ele às portas da morte e se dispôs a dar a própria vida, para suprir a vossa carência de socorro para comigo. 25 Epafrodito é quem leva a carta aos filipenses.

Os filipenses o haviam enviado pessoalmente até Paulo em Roma, a fim de entregar ao apóstolo preso um donativo de amor. Pelo fato de Paulo designá-lo “vosso servo das minhas necessidades” e justificar seu retorno para Filipos de forma tão exaustiva evidencia-se que ele tinha a incumbência de permanecer junto de Paulo em seu serviço pessoal. É interessante que aqui palavras que mais tarde adquirem um conteúdo bem definido ainda sejam usadas de forma bem singela. Pelo fato de Epafrodito ter sido enviado e incumbido pelos filipenses Paulo o chama de “apóstolo”; e, como deve “servir” às necessidades de Paulo, ele é chamado “leitourgos (“liturgo”) de minha necessidade”.

A circunstância de Epafrodito retornar imediatamente a Filipos poderia surpreender a igreja e dar ocasião a acusações abertas ou veladas. Será que também esse encarregado que eles haviam enviado fazia parte daqueles para os quais Roma e a proximidade de Paulo se tornavam perigosas demais e que por essa razão abandonavam o prisioneiro em sua grave dificuldade? Será que Paulo também escreveria sobre Epafrodito como fez sobre Demas: “Epafrodito me abandonou porque ama a sua vida nesta era, e viajou para Filipos”? Não, diz Paulo, eu mesmo “considerei necessário enviá-lo a vocês”. Por quê? A justificativa reúne uma observação humana muito singela das coisas com o firme olhar para Deus, dizendo tudo de maneira tão amável e delicada que somente os filipenses e o próprio Paulo tiram vantagens nesse retorno, e não Epafrodito. 26s Epafrodito havia adoecido em Roma.

Os filipenses souberam disso e ficaram preocupados. Nosso mau costume humano, porém, talvez levasse posteriormente a comentários em Filipos: provavelmente não foi tão grave assim! Por isso Paulo atesta expressamente: “Com efeito, adoeceu mortalmente.” Que sofrimento novo, além de todo o restante, essa grave doença trazia para Paulo! Por isso Paulo considerou a recuperação de Epafrodito como uma misericórdia até mesmo para com ele mesmo. Entretanto fala de modo bem simples da enfermidade e convalescença. Poderíamos acusar Paulo de considerável incoerência. Para si mesmo considerava a morte como “lucro” (Fp 1.21), há poucos instantes solicitara aos filipenses que se “alegrassem” com sua eventual morte pela mão de um algoz (Fp 2.18), mas no caso de Epafrodito a morte teria sido uma imensa dor para ele! Essa “incoerência”, porém, apenas revela que nas questões de fé as coisas não seguem um esquema dogmático, mas são concretas e vivas. Mesmo diante dos filipenses Paulo demonstrou que alegria de fé seria quando ele fosse absolvido e comparecesse novamente junto deles.

Se Epafrodito tivesse morrido Paulo provavelmente também teria expressado alegria por essa morte no serviço de Jesus, sem sentir a menor contradição em si mesmo. É essa a “liberdade do ser cristão”, que ele pode convalescer e viver com alegria bem como partir e morrer com alegria. Da mesma maneira parece que Paulo não considerava a doença grave de um irmão como falha na vida de fé. Mesmo no círculo mais próximo do apóstolo, mesmo no caso de um “cooperador e companheiro de lutas”, como Epafrodito é honrosamente chamado, pode surgir a mais penosa enfermidade. Ser restaurado constituiu uma dádiva de Deus. Contudo não há qualquer palavra a respeito de “cura pela fé”, falta qualquer conotação de triunfo, insinuando que Epafrodito tenha sido arrancado da morte com persistentes orações e audácia de fé. Mas Paulo não deseja aproveitar-se pessoalmente durante mais tempo do serviço daquele cuja saúde fora restabelecida. Compreende o anseio de Epafrodito de rever neste momento as pessoas em casa que souberam de sua enfermidade. Epafrodito estava “aflito porque ouvistes que adoeceu”. Para a “aflição” de seu colaborador Paulo utiliza um termo forte que encontramos no NT apenas ainda em Mt 26.37, em relação à “angústia” do Senhor no Getsêmani.
Não temos como entender por que Epafrodito se afligia tanto com o fato de que em Filipos todos souberam que ele adoecera. De qualquer maneira os filipenses devem vivenciar muito em breve a alegria de saudá-lo novamente. O próprio Paulo ficará livre de uma preocupação se souber que está novamente são e salvo em Filipos.

Por isso os filipenses devem “acolhê-lo no Senhor com toda a alegria”. Ainda que seu envio para casa tenha acontecido em consideração a singelas circunstâncias humanas, o agir do próprio Deus não deixava de pairar sobre elas.

Deus havia permitido que esse homem adoecesse gravemente em Roma e que, na seqüência, recuperasse a saúde. Isso significou um claro direcionamento para Paulo. É o que também os filipenses podem perceber, recebendo-o “no Senhor” com alegria. “No Senhor” não era um enfeite belo e edificante, mas tratava-se da inclinação sincera e alegre perante Jesus, que havia atravessado os planos e as instruções dos filipenses e conduzido Epafrodito para casa muito antes do que esperavam. Portanto, não se admite nenhuma censura velada, misturada à recepção daquele que retorna. Nesta oportunidade Paulo exorta aqui da mesma forma como em outras cartas a igrejas: “Honrai sempre a homens como esse”.

Na igreja daquele tempo não havia “cargos” com “direitos e deveres”, que assegurassem ao encarregado a honra e o reconhecimento. Voluntariamente certas pessoas assumiam os serviços necessários. Paulo dá grande valor para a necessidade de a igreja reconhecer e valorizar isto plenamente. Conhece a tendência de nosso coração maligno de considerar nossos próprios esforços extremamente relevantes, mas passar facilmente por cima daquilo que outros realizam.

Por isso ele volta a destacar o que Epafrodito fez. Quando pessoas na igreja criticarem sua volta precoce, elas terão de se conscientizar de que, apesar de toda a solicitude por Paulo, todos eles permaneceram em casa em Filipos, e que assim ainda “faltava” o mais importante para que o amor dos filipenses de fato chegasse até Paulo. Epafrodito completou esse elemento faltante ao levar as dádivas dos filipenses até Paulo e se dispôs a prestar-lhe serviço pessoal. Nisso “colocou em risco a vida” e “por causa da obra de Cristo chegou às portas da morte”. Paulo, portanto, ensina os filipenses e também a nós a reconhecer com afetuosa justiça a realização e o empenho de colaboradores, até mesmo quando seu agir não corresponde aos nossos pensamentos e planos.

Uma nota idiomática: Paulo escreveu “Tanto mais me apressei em mandá-lo”. Na Antigüidade, ao contrário de hoje, o autor de cartas se transporta ao momento em que o receptor lê a carta. Por isso usa verbos no passado para fatos que no momento da escrita ainda são presente ou futuro, mas na leitura já serão parte do passado.

Sobre Unknown

Edilson Pereira é pregador do Evangelho há 20 anos, tendo ministrado a Palavra de Deus em vários estados do Brasil. O mesmo é Professor de EBD, Escritor e Blogueiro.
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